A Coisa Carlsberg
Há textos que não vale a pena serem escritos. São perda de tempo. Tenho aqui no meu ambiente de trabalho sete folhas de texto do Winword™ que mais não são do que investidas sem destino, começadas previsivelmente com “Não sei se o Quiquer vai ler isto”, boçalmente com “Se Carlos Paião escreveu a Meia-Dúzia, o Polga escreveu A Dúzia”, lamentavelmente com “Lá se foram 100 euros em apostas”, entre outras banalidades, socorridas de advérbios de modo, que nenhum interesse têm para o indigente leitor-padrão de blogues de futebol ou de crónicas do José António Lima.
Este texto terá, relativamente aos outros, uma única característica excepcional: já vai em mais de duas linhas. Não posso, porém, deixar de o escrever, visto tratar-se de um tema que muito me melindra. Falo da Taça Carlsberg, aquele instrumento bifuncional que, de frente, serve para enfeitar a vitrine dos troféus; de costas, serve para tirar imperiais fresquinhas.
Vamos por partes: o que é um “taça”? O dicionário online classifica “taça” da seguinte forma: “do Ár. tasa < Pers. tasht - s. f., vaso para beber, de boca larga e pouco fundo; copo; objecto, geralmente em forma de taça, que se oferece como prémio.” O dito objecto da Carlsberg não é uma “taça”. Serve para beber, sim senhor. Melhor: serve o bebedor, que dali extrai, por via da torneira, a cerveja que lhe cairá no copo – no “copo” e não na taça, em seu sentido lato, porque será fundo e de boca estreita este vaso de beber. Portanto, aquilo da Carlsberg não é uma “taça”. Um troféu, vá lá. Uma “cena”. Um “coiso”. O Benfica e o sportém vão disputar a final daquela Cena da Liga ou daquele Coiso da Liga. Não da “taça da Liga”...
E depois, isto de chamar “taça” a uma coisa da Carlsberg não é de bom senso. Fosse Dom Pérignon ou Moët et Chandom e até se percebia – embora, dizem os entendidos (malta do sportém que a gente no Benfica só bebe vinho tinto e uma outra coisa de que já vou falar lá mais para a frente), o “vaso de beber” o champagne deva ser uma flute (os novos-ricos é que se habituaram às “taças de champanhe francês”, fruto dos hábitos de gerações e gerações a beber água pé pela malga) – uma vez mais, o copo fundo e a boca estreita, para as bolinhas não saltarem para fora do copo e cumprirem com a sua função de nos fazerem cócegas na ponta do nariz, que é uma das cenas que o vinho espumante que eu bebo na passagem de ano faz. Isso e brindes. É para isso que serve o espumante. A Carlsberg serve para beber quando não há Sagres. Ups. Já falei no assunto.
Eu tenho de começar a organizar a porra dos textos por tópicos antes de começar a escrevê-los directamente no Blogger™. Senão isto assim não tem leitura nenhuma. Uma pessoa perde-se, embrulha-se, desmancha punch-lines, arruina surpresas, antecipa desenlaces, enfim... Não nasci para a literatura, definitivamente.
Ora a Sagres... eu tinha isso aqui num post-it.
Cá está, encontrei. Ui, tem a ver com um dilema... Eu, realmente... quando uma pessoa se desliga do futebol, passa a ter umas ideias existencialistas e não sei quê... Que tristeza.
Ora bem, o meu problema aqui é do fôro moral: que cerveja devo beber no sábado, enquanto vejo a final do Coiso da Liga? Há uns dias, quando aqueles de Guimarães cá vieram desfazer-me as fantasias, eu disse para comigo “Diego, tu, até ao fim deste campeonato, não tocarás mais vez nenhuma em Sagres... tu bebes mas é Carlsberg” e dei mais um gole na mine. Falando verdade, foi a mine Sagres que me animou o resto da noite, sem que eu tivesse dado conta disso. Força do hábito, lá está. Uma pessoa vai ao balcão do Lebre e não pede “uma carzbér, fáxavor”. Um gajo não se chega à Típica e diz “ah, guarda lá a Sagres... hoje quero carzbér”. Há uma reputação, um status, em cada tasco que nos acolhe, semana após semana, ora para ver a bola, ora para festejar, ora para afogar mágoas. Uma pessoa não pode ser vira-casacas. Isto são tudo pensamentos que tive no domingo, para me consolar do desconsolo que me causou ter constatado que, depois de ter decidido abandonar a Sagres, não consegui forçar e vergar a força dos hábitos que carrego comigo.
Porém, estes pensamentos não foram apenas fruto da minha auto-desilusão momentânea. Foram, também, reflexo de uma luz mais sóbria (na segunda-feira). Uma luz que me faz perguntar (hoje, que ontem não me tinha lembrado disto) “a quem devo mais respeitos? Quem me merece mais lealdade? O Benfica ou a Sagres?”. Estivesse eu rodeado por dez garrafas vazias de mini Sagres e a resposta seria líquida e espontânea “ao Grande Glorioso” e, então, decidiria nesse mesmo momento e enquanto virava mais duas minis que, de então em diante, só beberia Carlsberg. Mas aqui, numa sala austera e livre dos benefícios do álcool refrescante, sou uma pessoa racional, fria e sem paixão. Afinal de contas, nos últimos anos, quem me deu mais alegrias? O Benfica ou a Sagres? Vou mais longe: nos últimos anos, quem mais fez pela minha paixão e pelo meu fervor benfiquistas? O Benfica? Ou a Sagres? A resposta é rápida – contém apenas 20 centilitros.
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