Detesto que me interrompam a sesta. Principalmente a de Domingo à tarde, depois das favas com entrecosto. Fico mal-disposto e rabugento. Ou melhor, fico mais mal-disposto e rabugento do que é costume. A sesta é uma instituição ancestral e transversal a todos os credos, cores e classes sociais, com uma dimensão democrática que poucas outras instituições se podem gabar. Não merece por isso ser desrespeitada de forma leviana. Muito menos para me contarem que o Postiga foi contratado pelo Sporting.
Primeiro julguei que fazia parte do sonho, a parte má imediatamente a seguir às raparigas semi-nuas que pululavam à minha volta a abanar a anca durante a sua dança do ventre. Mas é muito raro nos meus sonhos entrarem almofadas com poças de baba, por isso rapidamente acreditei que já não dormia e pensei que se tratava apenas uma piada de muito mau gosto.
Perante a veemência da afirmação, quis saber mais. Procurei em todos os canais da televisão, liguei a amigos, sintonizei a rádio. A verdade é que, mesmo parecendo que notícia se confirmava, continuava a ser uma piada de mau gosto.
Depois de muitos litros de aguinha com açúcar, e uma vez recomposto do choque, houve dois aspectos que me deixaram (e ainda deixam) surpreendido:
- O Sporting quis comprar um jogador (praticamente) dispensado de um rival directo;
- O Porto quis vender um jogador seu (mesmo dispensável) a um rival directo;
Sem analisar a qualidade do negócio, continua aqui a residir a parte estranha: Ter sido realizado por 2 rivais directos, algo que era absolutamente inimaginável até à hora das favas com entrecosto, num momento em que não há uma aproximação política evidente entre ambos os clubes, como aconteceu no reinado Roquete. Finalmente, e ao contrário das trocas Costinha e Peixe/ Rui Jorge e Bino (ou mesmo Clayton/ Ricardo Fernandes) que foram uma espécie de troca de dotes para materializar uma união de facto ao mesmo tempo que se limpa a casa, aqui há uma racionalidade económico-desportiva que se sobrepõe à paixão com que a maioria das decisões que envolvem rivais directos são normalmente tratadas.
Sempre pensei que a passagem de antigos jogadores para funções de dirigentes poderia ter o efeito positivo de contribuir para novas atitudes na gestão desportiva dos clubes (e SAD’s), facilitado pelo facto de, muitos deles, terem sido colegas em clubes e na selecção e de haver um conhecimento pessoal que facilita uma aproximação profissional. Não sei se terá sido o caso, mas como sportinguista, não me incomoda que o Sporting compre um jogador ao Porto, desde que seja uma mais-valia evidente, nem mesmo que lhes venda um jogador desde que tire claros proveitos. Com o Benfica é que nem pensem nisso...
Mas não deixo, no entanto, de reconhecer coragem aos dirigentes e equipa técnica do Sporting em contratar a um preço alto um jogador que, mesmo sendo internacional, não interessa a um rival directo, correndo o risco de ser interpretado que um (potencial) dispensado do Porto tem lugar na equipa do Sporting. Mesmo a posição do Porto, na qual abdica de um jogador formado nas suas escolas e que, embora dispensável, pode começar a vir a marcar golos que nem um maluco por um rival directo quando podia vir a ser vendido pelo mesmo preço a outra equipa qualquer, também acarreta algum risco e, por isso mesmo, também me parece claramente um sinal de evolução.
Claro que toda esta treta é à condição de que o Postiga se desenrasque no Sporting e que o Diogo Viana nunca passe de um jogador banal. Se o Postiga não vingar e se o Viana se tornar num novo Futre, tudo isto foi uma péssima ideia e esta gente já devia saber que não se devem fazer negócios com ciganos.