Tuesday, October 16, 2007

O novo-cretinismo

Quando não há bola que preste, o que é que uma pessoa faz? Uma pessoa lê. Pelo menos, aqui na redacção, é isso que a gente faz. Ultimamente, com os jogos da selecção e o consequente aumento exponencial do índice de tédio, temos até praticado uma nova modalidade. É o "toma lá este, que eu já li, passa para cá o teu" e é uma espécie de busca desesperada de algo que nos provoque uma qualquer expressão facial, um esgar, um sorriso, uma fungadela, uma gargalhada alarve milagrosa. Explicada a situação, nos últimos dias, sempre que acabo de ler A Bola, troco com o Férenc - "pasa p'ra cá o Record" e ele passa, embora ainda só vá a três quintos da leitura. Já tentámos incluir a Helena neste esquema de trocas, mas ela não abdica da sua Maria e, para enganar o seu próprio tédio sem ter de entrar em trocas, passou a comprar também a Ana + Atrevida, cujas dicas sobre o desempenho sexual têm feito maravilhas lá em cas... err... segundo o Férenc, que eu nunca li aquilo. Ele é que vai lá espreitar, de certeza.

Esta nova aventura no mundo do conhecimento e da comunicação futeboleza abriu-nos novos horizontes e permitiu-nos o contacto com seres e substâncias alienígenas que, de outra forma, permaneceriam no limbo do nosso desconhecido. E se, ontem, o Férenc desencantou um número engraçadíssimo, ah ah ah, acerca do dodotismo d'A Bola para com a Gloriosa Instituição, eis que hoje eu me espanto com algo não menos notável: um novo cretino no Record. Eu tinha para mim que, numa escala de cretinos, o fundo era o Alexandre Pais. E, ainda mais abaixo, o buraco escavado era o José António Lima. Isto, é claro, porque eu era um ignorante sem consciência da própria ignorância. Mas, agora, que ignoro mas sei que o faço, tal como Sócrates (o antigo), o caso muda de figura. A verdade, meus lindos, é que descobri o Rui Santos e isso abalou o meu cretinómetro.

Disserta Rui Santos, na última página do pasquim verde, acerca do Apito Rosa, uma espécie de teia conspirativa em tons femininos que arruinaram Pinto da Costa. Antes de mais, com tanto apito, e sendo este rosa, ainda por cima, a coisa fica à beirinha de um abismo: o da piadola fácil, trocadilhos que metam ao barulho a palavra "apito" e a característica distintiva fundamental da mulher. Mas o Dianabol prima pela elevação e pelo consumo de substâncias caríssimas, pelo que não cairei na tentação de dizer uma gracinha assim. Foquemo-nos na prosa de Rui Santos - sim, porque a teoria em si tem muito pouco interesse. A prosa, essa, merece leitura atenta.

"O pai da literatura inglesa, há uns bons pares de séculos, questionava-se 'o que haverá de melhor do que a sensatez? A mulher. E melhor do que uma boa mulher? Nada.'" escreve o artista na abertura do seu texto - e, por esta altura, o dianabólico leitor já fervilha em perguntas e reclamações, aposto. Mas eu, ignorando a leviandade com que um escriba de bola se põe a falar sobre as qualidades da pessoa feminina, atiro-me ao que me interessa: mas quem é esse tal pai da literatura inglesa? Há um bom par de séculos, William-Henry Ireland ou Elizabeth Bonhote, por exemplo, eram nomes da literatura gótica britânica. Serão estes os responsáveis pelo nascimento - tardio, diga-se - da literatura inglesa? Para que a pergunta se torne ainda mais complexa e densa, acrescento a frase com que Rui Santos encerra este brilhante primeiro parágrafo: "Já Voltaire - a-ah, Voltaire!... este Santos é um poço de cultura... - proclamava que Deus criou as mulheres apaenas para domesticar os homens". Notável. Palpita-me que, tal como eu fiz para desencantar dois nomes da literatura inglesa de "há um bom par de séculos", Rui Santos foi ao Google. Aí, terá efectuado uma busca por "notable quotes" e, uma vez chegado ao site, sacou "um bom par" de frases relacionados com a mulher. É bem esgalhado. Ainda estou intrigado com aquela do pai da literatura... bom, adiante.

Rui Santos brilha ao longo do texto, explanando a sua verve sobre a página que amanhã, injustamente, servirá para forrar caixotes do lixo em casas pobres ou limpar vitrinas em pastelarias de bairro. Veja-se esta "é tempo de se perceber que há um apito dourado no feminino. O Apito Rosa". Eu estremeço. A sério, não estou a inventar. Rui Santos, para além de ter um "bom par de óculos", é, sem dúvida, o pai da literatura no Record. Mas ele não se detém. Por exemplo, fala da luta de Pinto da Costa - contra o poder supostamente centralista e "terreiro-pacista" (?!?!) no futebol - recorrendo a termos e expressões como "quebrou a espinha da hegemonia capital com a coronha da espingarda", num registo lírico-bélico, ou "pelo caminho até à necrópole", numa tirada mais fúnebre, ou ainda "destroçando pelotões na terra e as vagas supersticiosas no mar. Não havia mulheres nem sereias no horizonte", numa conversa já a sugerir a necessidade do acompanhamento clínico. Eu diria que Rui Santos tem, para além de um bom par de demências, o registo de paternidade do poema épico no jornalismo desportivo português.

Eu estou impressionadíssimo com este talento que se revela. E estou, também , disposto a modificar a minha escala antónio-límica, aka cretinómetro. Sem dúvida, este Rui Santos dá-me que pensar. Quando penso que percebi a ideia, eis que ele faz a revienga e o rodriguinho, e eu, prostrado, rabo no chão, olho com espanto o seu remate final "o apito rosa é uma história de espionagem, inspirada em Mata-Hari". Vai buscá-la.

15 Comments:

At 11:03 AM, Blogger Metralha said...

Gosto dos lampiões que não gostam do José António Lima, do Dias Ferreira e acho que te esqueceste de outro: Daniel Reis ( não sei se ainda escreve lá na biblia ou lá o que lhe chamam)

Quanto ao Brilhantinas, o "home" é capaz de tudo nos seus textos. Parece-me que a referencias ás "gajas" tem a ver com a Elsa, não a do Sudoeste mas a do "I know, i know.. i´m The Special One".

PS: tenho de experimentar essa do Google "notable quotes" mas tem de ser em português, tipo "cotas notáveis" não vá acontecer o mesmo que o Rui Santos.

 
At 11:24 AM, Blogger Férenc Meszaros said...

Como dizia o meu avô: 'Nunca confies em ninguém que se parece a um cão de água'.

 
At 1:06 PM, Blogger Helena Henriques said...

Não li o texto do Rui Santos, continuarei pois na ignorância - tenho alguns pruridos em comprar o Record, apesar de o considerar um manacial de matéria prima, sim desde o petardo do Ronny que a criatividadde aliada ao jornalismo de investigação me deixaram fascinada. Mas esta conversa do Diego parece-me algo elitista e sulista, liberal não, lembra demasiado um tal Petrónio. Deixa lá Diego, amanhã já podes ler a Leonor Pinhão.

 
At 2:29 PM, Blogger Diego Armés said...

Abençoada Leonor...

Bom, Metralha: peço-te, não me faças desconsiderar-te. Iria jurar que ninguém com um mínimo de bom-gosto suporta o José António Lima. Falamos do homem que usava a expressão "cotovelo do Luisão" mais de dez vezes em cada parágrafo, durante mais de dois anos. Isto é estatística séria, podes confirmar nos arquivos d'A Bola. Quanto aos outros que mencionas, sinceramente, nem lhes ligo. Prefiro um Miguel Sousa Tavares, esse, pelo menos, faz-me rir, mas denota alguma capaciadade intelectual. Agora, o Lima... ó, meus amigos, o Lima é uma espécie de Daniel Oliveira do jornalismo desportivo.

Helena, eu não me pronunciei sobre o Corleone. Apenas sobre o texto. Não sei onde foste buscar o sulismo e o elitismo... Só porque falei da Ana + Atrevida? Não sejas sensível, mulher... Toda a gente lê isso. Só que ninguém admite.

 
At 3:58 PM, Blogger Helena Henriques said...

Que rasteirinho... não terá sido antes do "luta de Pinto da Costa - contra o poder supostamente centralista e "terreiro-pacista" (?!?!) no futebol"?
Aliás gosto particularmente do "terreiro-pacista" pela imagem árida tão adequada, percebo a tua indignação, de facto nada mais oposto à verve da Leonor para quem D. Afonso Henriques foi o pioneiro dessa coisa maravilhosa que é a verdadeira supremacia da capital daquilo que viria a ser um império e depois deixar de ser - sinais dos tempos. Há que dizê-lo com frontalidade, a Leonor não pode ser acusada de falta de criatividade.

 
At 4:17 PM, Blogger Diego Armés said...

Helena, lesses tu o que leio e perceberias: a expressão terreiro-pacista é do shôr Santos, himself. E não percebo o que tem o Terreiro do Paço que ver com as disputas pelos cordelinhos do futebol... É uma questão de rigor, digamos assim.

 
At 4:40 PM, Blogger Helena Henriques said...

E ele a dar-lhe...

 
At 10:12 AM, Blogger Metralha said...

Desculpa lá Diego, ele escreve aquilo que nenhum benfiquista gosta num jornal lampião.

Sinceramente, quantos sportinguistas achas que não gostam do Lima?

 
At 2:27 PM, Blogger Diego Armés said...

Meu amigo, o gajo é um choramingas apatetado. Se gostam dele e se se identificam com o homem, pois que... só tenho a dizer que lamento. Por vocês, porque até simpatizo convosco. Mas sobre o Lima já eu escrevi, aqui há uns tempos. Está ali nos arquivos, é só procurar.

 
At 4:12 PM, Blogger Helena Henriques said...

Hummm, até simpatiza... pois.

 
At 4:33 PM, Blogger Diego Armés said...

É verdade. Que me caiam já todos os cabelos brancos se eu estiver a mentir...

 
At 10:23 AM, Blogger Metralha said...

Tivesses 18 anos sem ganhar nada. irias perceber porque é que chorarias por tudo e por nada!

E se não fosse a falta do LUISÂO que vos deu o campeonato, já estavas quase lá...

Coitado do Lima e de todos os sportinguistas... Recordar é viver deixa-te lá de patetices!

PS: nisto tudo esqueci-me de elogiar o post. Muito bom, grandes reviengas!

 
At 1:34 PM, Blogger Helena Henriques said...

Metralha, acho que já faltou mais... Não tarda canta chorinhos para depois passar à choradeira.

 
At 3:11 PM, Blogger Diego Armés said...

Vês, Helena? Ele elogiou o post. Redimiu-se, afinal até tem bom gosto.... sissenhoras.

 
At 4:57 PM, Blogger Helena Henriques said...

Vai ensaiar os chorinhos q1ue aquilo ainda está muito desesperado.

 

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