O pivot, a penetração, o jogo e o engenheiro a ver a bola
Há dias em que uma pessoa não devia sair da cama. No meu caso, são praticamente todos, uma vez que tenho sempre muuuuuito que fazer nesse departamento da redacção do Dianabol. Infelizmente, a publicidade à Bwin não me compensa com a quantia suficiente para comprar as cebolas, o vinho, o piripiri e os outros bens essenciais à sobrevivência de um indivíduo benfiquista como eu. E é por isso que, sim, tenho um trabalho como a maioria das pessoas... bom, a maioria não digo, mas algumas pessoas, porque... a maior parte das pessoas é:
a) desempregada
b) estudante
c) reformada
d) dona de casa
e) militar na reserva
f) militar no activo
g) outro (piada existencialista)
A ideia é que, de facto, a maioria dos portugueses não faz nenhum e eu, que tenho certificado de vocação para estar quieto, sou um mouro de trabalho... Mas, e agora é que me lembro disto, a que propósito vem esta conversa?...
Ah, sim, "há dias em que uma pessoa não devia sair da cama". Por acaso, e repensando a frase de abertura do texto, esta não foi muito feliz. Digo isto porque o que eu queria fazer era explanar airosa e mordazmente a ideia de que a contratação de Fernando Santos para treinador do Benfica fora de uma infelicidade atroz. Porém, aquele início "há dias em que uma pessoa não devia sair da cama" encurrala-me: quem é que não deveria sair da cama? Eu? O Engenheiro? O Veiga? O Vieira? Posto isto, esqueçamos a frase inicial e foquemo-nos no engenheiro. Na nódoa que é o engenheiro, para ser mais preciso.
Os números de Fernando Santos, desde que chegou ao Benfica, falam por si - o que é positivo, dispensa-se ouvir pela enésima vez "o futebol é isto mesmo, - hrum - tivemos atitude, fomos bravos - hrum -, parabéns ao (... preencher com o nome da equipa adversária ...), que se bateu muito bem e mereceu inteiramente os 3 pontos - hrum". Contabilizemos: no campeonato, em 3 jogos, o engenheiro deu ao Benfica as três expressões possíveis de um resultado - derrota, vitória e empate. Acrescente-se que a vitória aconteceu sobre uma equipa em clara crise no arranque da época. O empate foi contra um sério candidato à descida de divisão. E a derrota, embora num terreno digno, foi por números quase redondos. É mau. Aliás, mau é elogio. Na Liga dos Campeões: na pré-eliminatória, um empate em Viena e uma vitória folgadinha, na Luz, frente ao medíocre Áustria, disfarçaram aquilo que toda a gente (menos o engenheiro) já percebeu a esta hora: a equipa não tem "jogo". Por "jogo" entende-se um conjunto de características que, juntas, fazem com que a equipa, numa primeira fase, "funcione" e, num estado mais avançado, devido a esse mesmo funcionamento, "ganhe". Eu estou a dar ênfase a estas palavrinhas pondo-as entre "aspas" para que o engenheiro não tenha dificuldades em ir tirando "notas", compreendendo assim à primeira aquilo que verdadeiramente importa. Nos dois jogos da fase de grupos da Liga dos Campeões o Benfica confirmou esta minha teoria. No primeiro - pobre, muito pobrezinho -, diante de um adversário fraco, a equipa não demonstrou duas coisas essenciais: "jogo" e "ambição". Sobre o "jogo", lá chegaremos. Sobre a "ambição", a primeira responsabilidade deve ser de imediato imputada ao "treinador" (sim, engenheiro, é consigo). Que raio de equipa entra em campo na primeira jornada de uma prova de pontos, com apenas 6 jogos para disputar, e se dispõe, à partida, a sair de lá sem a vitória? Quem é que abdica de três pontos, ainda antes de um jogo, quando o adversário desse mesmo jogo é o mais (o único?) acessível do grupo? Dr. Fernando, 1 ponto em Copenhaga é coisa para significar, mais ou menos, 4 pontos no somatório final (e estou a assentar o meu cálculo inteirinho na fé que tenho num autogolo do FK Copenhaggen na Luz...). No segundo jogo, frente ao Manchester - e falo do assunto apenas porque me senti pressionado pelos pedidos insistentes de alguns distintos comentadores -, qualquer coisa mudou: o engenheiro quis ganhar! Louve-se-lhe a força de vontade, a criatividade e a "vontade de querer". Mas sublinhe-se a ingenuidade da pessoa. Contra uma equipa como o United, até é legítimo que se queira ganhar - não são, neste momento, o monstro que foram nos anos 90. Mas essa legitimidade cai por terra quando se é de uma equipa como a do Benfica, treinada por uma "pessoa" como o engenheiro ou, reformulando, por um "engenheiro" como o Fernando. A primeira parte até nem foi má. Pelos vistos, Fernando Santos tem lido no Público o Freitas Lobo a explicar o que é isso da "pressão alta" (para um engenheiro é capaz de, à primeira, soar a coisa mais complexa; contudo, no fundo, não passa de "melgar" o adversário assim que ele tem a bola nos pés, em linhas específicas do terreno, impedindo a sua progressão e obrigando-o a cometer erros... 11 Petit's em campo, em suma, mas sem violência gratuita... ou não necessariamente com violência gratuita). Agora, acontece que o Freitas Lobo ainda não deve ter escrito acerca da armação de jogo, abertura de espaços e criação de desequilíbrios. Isto são tudo termos da treta que agora se usam muito na televisão, em grande parte desde que o José Mourinho chegou aí com essas tangas todas modernas e estratégias com nomes estrangeiros e o catano. Mas, no fundo, isto significa: "se o Simão tem a bola, na esquerda, e a defesa está fechada, "alguém" tem de fazer alguma coisa para que ele possa optar por uma das seguintes acções:
a) cruzar para o coração da área, fora do alcance do guarda-redes, para a cabeça da Amelinha (para a Amelinha acertar com o joelho ou assim);
b) tabelar com um pivot, permitindo-lhe uma penetração... hru-hrum... sem maldade... uma penetração na área em situação privilegiada para marcar;
c) armar o remate de fora da área, em zona perigosa;
e, sobretudo, não seja obrigado a executar uma das seguintes acções:
a) tabelar com Léo ad infinitum/até a bola sair pela lateral;
b) atrasar para o Petit/Luisão/Quim;
c) "virar" o jogo - ou mudar de flanco -, correndo o risco de entregar a bola ao Paulo Jorge."
Todas estas coisas que eu estou a escrever, engenheiro, fazem parte daquele conceito maior, o tal de a equipa ter "jogo". Tome nota.
Na segunda parte do jogo com o Manchester, fiquei com a impressão de que estava a rever o Benfica - Barcelona do ano passado. Com a diferença de que os ingleses não faziam grande questão de ganhar por muitos e, por isso, não foram tão sôfregos, limitaram-se a esperar que o golo surgisse com naturalidade. Saha fez um pequeno esforço, Andersson não deixou créditos por mãos alheias e demonstrou, uma vez mais, como se pode acumular uma série de funções: ser brasileiro, feio, grande, central do Benfica e generoso, em simultâneo - já o fizera no Bessa e na Mata Real com notável aproveitamento.
E agora, engenheiro, que o texto vai tão longo que, seguramente, já ninguém nos lê, aqui fica a última dica (vai em pacote): Andersson para o banco, Alcides a central, Nelson de volta à direita; um só trinco - Katsouranis -, Petit no banco, Karagounis na transição defesa-ataque; Simão de um lado, Nuno Gomes na frente e, enquanto o maestro coça e não coça as micoses, o agarradinho a correr que nem um doido, a número 10; não ponha ninguém na extrema direita, deixe aquilo vazio - mais vale que a bola se perca pela lateral do que ter o Paulo Jorge a entregá-la aos adversários, a estorvar os colegas e a obrigar os comentadores a repetir, durante 90 minutos, "é um jogador esforçado e muito rápido". Estamos entendidos? Ah, bom. É que, se não, o próximo lenço branco será o meu... err... deixe lá, esqueça o texto: o próximo lenço branco é meu, de certeza absoluta.